#Vida #Daúde #Educação
Este conteúdo pode ser encontrado também na fonte originalA vida é mesmo considerada essencial quando as escolhas políticas são pautadas pelo princípio de que sua preservação vem em primeiro lugar. Saúde e educação são efetivamente reconhecidas como essenciais não em discursos retóricos, mas com a destinação dos recursos necessários, políticas públicas consistentes e diálogo constante com a sociedade civil organizada
Temos vivido, no Brasil, um contexto gravíssimo durante a pandemia. A banalização das mortes em massa, descalabros políticos em âmbito federal e negligência em muitos estados e municípios. Em fevereiro e no início de março de 2021, naturalizaram-se também as mortes de estudantes e professoras(es), em escolas do estado de São Paulo, descaso agora confirmado com a nova proposta descabida de reabertura das escolas, a partir de 12 de abril, durante um período de cruel agravamento das taxas de contágio, de mortes, novas variantes do coronavírus, taxas gritantes de ocupação de leitos de enfermaria e de UTI, falta de vacinas e de medidas de prevenção adequadas. É fundamental destacar que a sobrecarga gerada no sistema de saúde pela pandemia de Covid-19 traz ainda profundas consequências para o atendimento de saúde em geral, com cancelamentos de consultas, exames e cirurgias diversas.
Desde meados de março estamos com 90% dos leitos de UTI ocupados no estado de São Paulo, e em 29 de março atingimos a marca de 92%. Na capital, as taxas variaram, nesse mesmo período, de um pico de 93% aos atuais 89,8%. Diversos municípios do estado já atingem 100% da ocupação das UTIs, o que se traduziu na morte de 530 pessoas aguardando leitos, em março. Só na Grande São Paulo, morreram 230 pessoas com suspeita ou confirmação da doença, no aguardo por leitos, segundo levantamentos da imprensa na última semana.
A proposta de reabertura das escolas para atividades presenciais retorna agora, quando a situação é ainda muito grave, se não pior. Incompreensível.
Com a reabertura no início do ano, os números aumentaram exponencialmente. Segundo levantamento feito em 13 de fevereiro, tínhamos 741 casos de contágio entre alunas(os) e profissionais de educação nas escolas públicas e privadas do estado de São Paulo; em 8 de março saltamos para 4.084 casos, com a morte de 21 pessoas, segundo dados fornecidos pela Secretaria de Educação (Seduc), sobre as escolas estaduais, públicas e privadas – com exceção da rede municipal de São Paulo, que contabiliza os casos em um sistema próprio. Levantamento do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), nesse mesmo período, contabilizou 2150 casos na rede estadual, em 981 escolas, e até 7 de abril, 2356 casos, em 1075 escolas, com 66 mortes de profissionais de educação e de estudantes; levantamento do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) em 5 de março mostrava 569 casos em 256 escolas municipais de São Paulo, com três óbitos; levantamento do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP) mostrava casos em 231 escolas particulares, com óbitos também sendo divulgados nas redes sociais, embora não quantificados. Foram diárias as notícias de contínua ampliação dos casos de contágio e de mortes nas escolas públicas e privadas, em todo o estado, no último período em que as escolas estiveram abertas. A situação é semelhante em todo o Brasil.
Apesar dos imensos esforços em defesa da vida pelas(os) profissionais de saúde, que seguem garantindo atendimento à população em condições, muitas vezes, bastante adversas, as taxas de contágio e de mortes seguem crescendo, assustadoramente.
Evidentemente, não se trata de expor números com o objetivo de ampliar a banalização das mortes por Covid-19, mas de denunciá-la. Perdas de vidas humanas são sempre irreparáveis.
As desigualdades raciais e sociais no Brasil também se manifestam com intensidade na pandemia. Levantamento do Instituto Polis, que analisou os casos de Covid-19 na cidade de São Paulo entre 1º de março e 31 de julho de 2020, mostrou que as taxas de óbitos entre homens negros foram de 250 óbitos a cada 100 mil habitantes, enquanto entre os homens brancos foram de 157; entre as mulheres negras foram 140 mortes e entre as brancas 85 mortes a cada 100 mil habitantes. Importante destacar que vários estudos na área de saúde apontam as causas das menores taxas de mortalidade e a prevalência menor de diversas doenças entre as mulheres. Dentre as causas estão maior escolaridade, maior difusão de práticas de auto-cuidado e de prevenção em saúde, embora demandem uma série de políticas de saúde específicas.
or outro lado, levantamento do IBGE[1] mostrou que as mulheres, os negros e os pobres são os mais afetados pela doença pela relação direta entre a incidência de Covid-19 e a renda, o desemprego, as condições sanitárias e de moradia, e outros fatores estruturais. Entre os que relatam mais de um sintoma – dado fundamental porque tivemos e seguimos com baixa testagem no país – a cada dez pessoas, sete são pretas ou pardas.
Lutas da sociedade civil no Brasil e em São Paulo no último período
Apesar dos grandes esforços das(os) profissionais de assistência social, que seguem garantindo atendimento à população em condições muito adversas, assim como das muitas redes de solidariedade na sociedade civil, soma-se a este quadro nefasto a ausência de políticas sociais adequadas em âmbito federal, com o aumento gritante da miséria e da fome em todo o país. Nunca será demais lembrar que a proposta traduzida em auxílio emergencial partiu de uma importante iniciativa da sociedade civil, organizada pela Renda Básica Emergencial no primeiro mês da pandemia, que foi rapidamente abraçada pelos(as) parlamentares de oposição e, por fim, obteve o apoio de todo o Congresso Nacional. Jair Bolsonaro foi contra, só cedeu por pressão das organizações e movimentos, abaixo-assinados massivos e atuação do Congresso. No entanto, com seu mau-caratismo habitual, o governo federal passou a agir como se a proposta fosse sua, e parte da população parece ter comprado o discurso.
Importante destacar que, diante de todas essas realidades, seguem firmes as resistências e a organização da sociedade civil brasileira. Contra a banalização das mortes em massa, a Rede de Apoio aos Familiares e Amigos de Vítimas Fatais do Covid 19 (Rede Apoio Covid) e o Memorial para as Vítimas da Covid-19, conta com profissionais da área de saúde mental e militantes de diversos campos de atuação. São movimentos centrais na luta pelo direito à memória e ao luto pelas vítimas da pandemia, contrapondo-se à banalização das mortes.
Contra os descalabros em âmbito federal, seguem as muitas e constantes denúncias contra Bolsonaro e seus desmandos, diárias desde o período eleitoral em 2018 – e muito antes, para nós que lutamos duramente contra a eleição de Bolsonaro e Mourão, com destaque fundamental para as manifestações de rua massivas do Ele Não!, promovidas pelos movimentos de mulheres em muitas capitais no país. Estivemos nas muitas manifestações de rua, organizadas pelas centrais sindicais e frentes populares, manifestações que se deram em continuidade às lutas contra o golpe em 2016 e contra as reformas trabalhista e previdenciária. Nesse período, destacam-se as greves gerais e grandes manifestações de rua em 2017 e 2018 e que, em 2019, com a participação fundamental dos movimentos de educação, sindicatos de trabalhadoras(es) de educação e movimentos estudantis, foram decisivas nas lutas contra os cortes de orçamento da educação pelo MEC e por Fora Bolsonaro! Havia, inclusive, outra grande manifestação programada para 17 de março de 2020 e que vínhamos construindo com força, quando nossos focos passaram a ser lutar contra a pandemia e em defesa da vida.
Em 2020, foram diversas ações judiciais de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão no TSE e pedidos de impeachment de Bolsonaro no Congresso Nacional. O maior e mais representativo deles foi um pedido coletivo, que reuniu mais de quatrocentas organizações, sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais, e que foi entregue ao Congresso em 21 de maio de 2020. Unidas(os), seguimos fazendo pressão através das redes sociais, dos panelaços, do diálogo com parlamentares de oposição, das mensagens de pressão sobre os demais parlamentares e das ações de organizações de direitos humanos, no Tribunal Penal Internacional.
Continuamos nas lutas contra os cortes nos orçamentos das políticas sociais e pela revogação da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto dos gastos públicos, assim como por mudanças na tributação: mais impostos devem ser pagos pelas grandes fortunas, pelos mais ricos e pelas grandes empresas, com mecanismos efetivos de combate à sonegação. A dívida pública também deve ser renegociada, evitando que mais de R$ 1 trilhão sejam gastos, todos os anos, com pagamento de juros e amortização da dívida.
Não por acaso, temos outra tentativa de desmonte em âmbito federal das políticas de saúde mental. Houve graves retrocessos aos princípios da reforma psiquiátrica e da defesa do SUS, com a inversão da lógica de cuidado em liberdade e centrada na Atenção Psicossocial, como definido pela Política Nacional de Saúde Mental, para retomar propostas de confinamento e de abandono em instituições fechadas. Esses retrocessos estão sendo enfrentados com muita luta pela Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial e pela Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), entre outras redes e fóruns.
Também no estado de São Paulo, desde o início da pandemia, coletivos, organizações, grupos culturais, pastorais sociais e movimentos sociais estamos unidas(os) em frentes de pressão por políticas adequadas ao enfrentamento da pandemia, em especial na Grande São Paulo. Nosso primeiro manifesto foi de abril de 2020,[2] pelo fortalecimento do SUS e com diversas demandas no campo da saúde – a prioridade absoluta em tempos de pandemia – também por políticas e programas de geração de trabalho e renda, e contra os despejos nas ocupações urbanas e rurais, pauta central do Movimento Sem-Terra (MST) e dos movimentos de moradia. As Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo redigiram documentos importantíssimos para o país e para o estado, que contam com propostas de políticas públicas para o enfrentamento da pandemia.
Nos últimos meses, muitas(os) trabalhadoras(es) do setor cultural uniram-se ao Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (SATED/SP) na Frente Ampla em Defesa da Cultura SP e no Fórum do Litoral, Interior e Grande SP (FLIGSP), formando grandes redes por políticas culturais no estado de São Paulo.
Além disso, muitas(os) de nós estão, desde o início da pandemia, em redes de solidariedade para a garantia de sobrevivência de pessoas e famílias, e apoio a instituições, sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos do país, contra o agravamento da miséria e da fome.
Em 30 de março, a Prefeitura de São Paulo anunciou os fundamentais investimentos de R$ 2,8 bilhões em seis programas sociais de transferência de renda e de geração de trabalho, articulados à educação profissional no município. Em 7 de abril, o Governo do Estado de São Paulo também anunciou um importante programa de transferência de renda com investimentos de R$ 1 bilhão . O governo federal, por sua vez, prorrogou o auxílio emergencial com um valor bastante reduzido e apenas após nova onda de pressões sociais…
Lutas da educação, porque para nós educação é, de fato, essencial
Lembrar todas as lutas coletivas do último período é fundamental para mostrar que não há silêncio diante da banalização das mortes em massa e que seguiremos enfrentando o (des)governo federal. Nos manteremos em diálogo e pressão junto aos governos estaduais e municipais, para a promoção de políticas públicas pela vida e pelo enfrentamento adequado da pandemia. A vida não está sob negociação.
Com greves e diversas formas de pressão pelos sindicatos de educação e pelas organizações e movimentos sociais, enfrentamos discursos retóricos que afirmam que a “educação é essencial”. Colocam as mais inconsistentes justificativas antes da defesa da vida de quem está nas creches e escolas, num contexto de risco de morte, colapso do sistema de saúde, vacinação que caminha muito lentamente e políticas educacionais cegas. Com nossas lutas e importantes medidas favoráveis das prefeituras, conseguimos que as escolas permanecessem apenas em atividades remotas, no último período de março, mas a retomada de atividades presenciais nunca deixou de ser uma opção para o Governo de São Paulo e para a Secretaria Estadual de Educação.
O movimento “Escolas Abertas” reúne familiares de alunos de algumas escolas particulares de São Paulo e baseia-se nas premissas de pediatras que apontam os óbvios prejuízos à aprendizagem e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes afastados por um período muito longo da escola. No entanto, ignoram o quadro gravíssimo de evolução da pandemia, os dados epidemiológicos e as condições reais da grande maioria das escolas paulistas e do país, como um todo. Ao Escolas Abertas, somam-se o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp), Associação Brasileira de Escolas Particulares (ABEPAR) e outras associações escolares ligadas ao setor privado, que chegam a afirmar que as escolas particulares têm seguido os protocolos de segurança – o que sabemos não ser verdade por diversos casos de Covid-19 nesta rede e por relatos de profissionais– e ignorando que o contágio no ambiente escolar durante uma pandemia, como em qualquer ambiente coletivo, não depende apenas de fatores internos, sendo os protocolos uma das variáveis e não a principal, como apontam as(os) pesquisadoras(es). Retomamos que o levantamento do Sinpro-SP mostrava, em 5 de março, casos de Covid 19 entre crianças, adolescentes e profissionais de educação em 231 escolas particulares na cidade de São Paulo.
Esses grupos conseguiram apoio do poder público e da grande imprensa, exercendo significativa pressão pela reabertura das escolas, ignorando todas as recomendações de epidemiologistas e das instituições de referência do país. As condições para o retorno das atividades presenciais nas escolas são claramente definidas pelos indicadores da Fundação Fiocruz, a partir do que é apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para os municípios e territórios onde estão inseridas as escolas:
1. Redução da transmissão comunitária: < 100 casos novos por dia por 100.000 habitantes, nos últimos 14 dias.
2. Taxa de contágio – valor de R < 1 (ideal 0,5) por um período de pelo menos 7 dias. R é a taxa de contágio na cidade e determina o potencial de propagação do vírus em determinadas condições. Já em dezembro de 2020, nenhum estado brasileiro estava abaixo de 0,5 e a maioria dos estados estava acima de 1.
3. Disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI, na faixa de 25% livres. (Faixa verde – Conselho Nacional de Secretários de Saúde-Conass e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde-Conasems).
4. Previsão de esgotamento de leitos de UTI superior a 57 dias (Faixa verde – Conass/Conasems).
5. Redução de 20% ou mais em número de óbitos e casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) comparando à Semana Epidemiológica (SE) finalizada, em relação a duas semanas anteriores (Faixa verde – Conass/Conasems).
6. Taxa de positividade para Covid-19 inferior a 5% (número de positivos/número de amostras para Sars-Cov-2 que foram realizadas na secretaria de educação).
7. Capacidade para detectar, testar (RT-PCR), isolar e monitorar pacientes/contactantes. Diagnosticar pelo menos 80% dos casos no município ou território.
São indicadores de uma segurança real para o retorno de atividades presenciais nas creches e nas escolas, garantida por condições epidemiológicas e, portanto, que se relacionam ao contexto sócio-econômico brasileiro, que devem ser combinadas também às condições dos sistemas educacionais. Não por acaso, como estamos distantes desses indicadores no estado de São Paulo, a maioria das redes municipais, com exceção da capital, não reabriu suas creches e escolas em fevereiro.
Tivemos 4195 mortes por coronavírus somente no dia 6 de abril, as taxas de contágio seguem altíssimas e com crescimento assustador e as taxas de letalidade saltaram de 3,3% para 4,2% no último mês. Faltam leitos de UTI e de enfermaria no estado de São Paulo, a vacinação, por ora, só foi garantida para os mais idosos (a última faixa etária atendida é de 65 a 67 anos) e está sendo oferecida para profissionais de educação com mais de 47 anos de idade a partir de 10 de abril – com os mesmos discursos retóricos que negam e omitem que são necessários de 21 a 28 dias para a aplicação da segunda dose e outros 10 a 20 dias depois da 2ª dose da vacinação para garantir a imunização. Cerca de 60% do segmento de profissionais de educação não será atendido agora, os estudantes não foram vacinados e não há previsão.
Aos que insistem em dizer que os protocolos são suficientes para garantir a segurança e evitar o contágio por Covid 19 nas escolas, perguntamos: quais protocolos? Em muitas escolas não há banheiros suficientes (82% das escolas estaduais de São Paulo não têm mais de dois sanitários para uso dos estudantes),[3] não há ventilação adequada e também não há áreas externas; não foram feitas reformas; as máscaras, os equipamentos de proteção individual (EPIs), materiais de limpeza e de higiene não chegaram a muitas escolas e 99% das escolas não tem enfermaria ou ambulatório médico. Temos uma comunidade de 8 milhões de pessoas forçadas pelo estado a se expor diretamente ao vírus, na rede de Educação Básica do estado de São Paulo.
Para que seja considerado um retorno às atividades presenciais, além dos indicadores apontados pela Fiocruz, e das condições de infra-estrutura descritas acima, para garantir o número de alunos adequado por turma e o distanciamento necessário, 93,4% das turmas precisam ser adequadas para a situação da Covid 19 e 62,5% ainda devem ser adequadas para atender às condições apontadas há mais de uma década pelo CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial)[4], elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Os prejuízos aos processos de construção de conhecimentos por educandas(os) e educadoras(es) na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio, na educação de jovens e adultos – e também no ensino superior – poderiam ter sido muito menores se houvesse a garantia de condições adequadas para o ensino remoto. Tais condições deveriam ter sido garantidas em março e abril de 2020, assim como deveriam ter sido executadas as medidas sanitárias e de prevenção em saúde, que não aconteceram. À maioria das(os) estudantes e mesmo às (aos) professoras(es), não chegaram os materiais impressos, os chromes, o acesso à internet e às tecnologias virtuais, as formações para ensino remoto e o apoio para o uso de tecnologias.
Importante frisar que o ensino remoto, ainda que com todas as condições, nunca substituirá adequadamente o ensino presencial e o papel das creches e escolas não apenas para a formação das crianças pequenas e do conjunto das crianças, mas também das(os) adolescentes, jovens, adultos e idosos no Brasil. Mas se trata de uma situação excepcional, necessária à preservação da vida em uma pandemia que só se agrava por ações intencionais do (des)governo federal e por negligência em muitos estados e municípios. As vidas que se perdem são irreparáveis, os processos de ensino-aprendizagem podem ser constantemente reconstruídos.
A vida é mesmo considerada essencial quando as escolhas políticas são pautadas pelo princípio de que sua preservação vem em primeiro lugar. Saúde e educação são efetivamente reconhecidas como essenciais não em discursos retóricos, mas com a destinação dos recursos necessários, políticas públicas consistentes e diálogo constante com a sociedade civil organizada.
Quais são as condições de trabalho e os salários da maioria das(os) trabalhadoras(es) de educação em São Paulo? Quais são as condições de trabalho e salários em uma realidade de terceirização e descasos de toda ordem com as trabalhadoras de limpeza e de alimentação escolar? Não é possível ignorar as imbricadas relações entre as condições de trabalho e de saúde. Em São Paulo, nós temos uma rede estadual entre as maiores do país e que é, simultaneamente, a que conta com os salários mais baixos. A remuneração de uma professora ingressante é de aproximadamente R$ 1300, para uma jornada de 20 horas, valores incompatíveis com aquele que é o maior orçamento público do país, além dos contratos precários e das diversas formas de precarização do trabalho. Já o salário de uma professora ingressante na rede municipal de São Paulo, para uma jornada de 20h, é quase o dobro, R$ 2400, conquista das lutas coletivas das trabalhadoras(es) da rede municipal e de seus sindicatos, mas também de ações de secretários municipais de educação sensíveis a esta questão central.
Apeoesp, Afuse, Apase, CPP, Udemo são sindicatos combativos e que seguem lutando há décadas, unificadamente, por reajustes salariais e por condições de trabalho adequadas na rede estadual, ações coletivas às quais todas(os) que de fato tratam a educação como essencial deveriam se somar.
Também não é aceitável que se perpetue o discurso de que as(os) trabalhadoras(es) da educação têm que manter as escolas abertas para garantir a alimentação escolar e o apoio às famílias em alta e altíssima vulnerabilidade social e nos territórios de maior vulnerabilidade. A alimentação escolar não pode substituir programas de segurança alimentar e nutricional efetivos nos municípios e nos estados, com apoio federal. É preciso que haja maior clareza sobre o papel das creches e das escolas no país; políticas integradas de saúde, assistência e educação nos territórios e nas comunidades são algo muito distinto de transferir à escola ou à creche uma responsabilidade que é inerente às ações de assistência social e manutenção de renda.
Quais políticas de saúde?
Em 8 de março, o Governo do Estado de São Paulo anunciou que até o fim do mês teríamos a abertura de mais mil novos leitos e 11 novos hospitais de campanha em unidades de saúde dos municípios de Andradina, Barretos, Botucatu, Campinas, Fernandópolis, Itapetininga, Ourinhos, Santos, Santo André e São Paulo, para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. No entanto, apenas a inauguração de dois hospitais de campanha, um na região central da capital anunciado em 15 de março, outro na zona norte da capital anunciado em 18 de março se consolidaram, além de 163 novos leitos no Hospital das Clínicas, criados na semana de 29 de março em parceria com a iniciativa privada. Em comparação, é importante destacar que a Prefeitura de São Paulo criou 555 leitos hospitalares em março.
Em 18 de março, após solicitação do Governo do Estado de São Paulo, o Ministério da Saúde liberou recursos para novos 1,6 mil leitos de UTI e 8 leitos de UTI pediátrica no estado. O Governo do Estado precisa acelerar e priorizar efetivamente a ampliação de leitos hospitalares e de UTI, assim como a instalação dos hospitais de campanha que foram anunciados e outros que atendam às regiões mais afetadas, pois precisamos urgentemente de mais leitos. Recebemos a confirmação de que nossa solicitação está sendo analisada por secretarias do Governo do Estado de São Paulo, o que configura um pequeno avanço. Mas a vida tem pressa.
Por outro lado, as(os) epidemiologistas, profissionais e pesquisadoras(es) em saúde insistem, desde o início da pandemia, que essa não será efetivamente enfrentada sem ações adequadas de Atenção Primária à Saúde e de Vigilância Epidemiológica (testagens, rastreamento de casos e de contatos), feitas prioritariamente pelos municípios. E as falhas nessas tarefas seguem gritantes em todo o país.
Ainda quanto ao atendimento hospitalar, nas últimas décadas no estado de São Paulo, com exceção da manutenção e da ampliação dos Hospitais das Clínicas e dos demais centros de atendimento de alta complexidade, tivemos pouca ou quase nenhuma ampliação de atendimento nos hospitais estaduais, o que dizer da criação de novas unidades! A ampliação do atendimento hospitalar ficou quase toda sob responsabilidade dos municípios, o que é uma distorção gravíssima das políticas de saúde em São Paulo. Os municípios menores têm problemas sérios no atendimento de média e de alta complexidade em saúde; Taboão da Serra é um caso emblemático: o município de 220 mil habitantes em um pequeno território, com a maior densidade populacional do país na atualidade, tem apenas um hospital geral e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). O resultado se traduz em filas e um tempo interminável para que se consigam exames, consultas e atendimento hospitalar que não seja de emergência. É insustentável que essa responsabilidade seja atribuída exclusivamente às prefeituras, como, infelizmente, é comum.
Em São Paulo e no Brasil, seguimos também com políticas de saúde que não atribuem a centralidade devida à prevenção em saúde. A pandemia do coronavírus escancarou essa dura realidade. No pior período da pandemia, grande parte da população tem deixado de adotar procedimentos mínimos de auto-proteção, como usar máscaras e seguir as medidas de distanciamento social em contextos em que isso é perfeitamente possível, com setores fazendo propagando contrária e inclusive ameaças a quem defende medidas de restrição mais rígidas, a partir das orientações da área de saúde e da ciência.
As atitudes de não adoção de procedimentos mínimos de auto-proteção também são reflexo da ausência de uma cultura de prevenção em saúde no Brasil. Essa ausência tem origem em situações com múltiplas causas, das quais duas gostaríamos de destacar com maior ênfase, por sua relação com processos sociais e culturais mais complexos que se combinam: 1) o crescimento de uma mentalidade profundamente individualista e hedonista em nossos tempos; 2) mentalidade “fascistóide”, de desqualificação dos direitos humanos e das lutas sociais, todas colocadas sob o rótulo de “comunistas” (termo e conceito que obviamente não conhecem), de negação das contribuições das ciências, da filosofia e das artes, o que é gravíssimo e de absoluta falta de bom senso, com a negação da pandemia (“gripezinha” a ser prevenida com cloroquina) e a defesa idolátrica de Bolsonaro. Mas não são piadas de meia dúzia de desvairados, pois, apesar das centenas de milhares de mortes evitáveis e de todo o desmonte que enfrentamos cotidianamente, o presidente tem ainda 30% de aprovação da população brasileira.
Vacina quando?
Segue a urgência da vacinação de toda a população contra a Covid-19. Serão necessários mais recursos para ampliar a produção e a distribuição de vacinas em todo o estado de São Paulo, pois o segmento dos idosos e os demais grupos de risco ainda não foram totalmente vacinados, apesar dos esforços contínuos do Instituto Butantan e de toda a área de saúde do governo do estado e das prefeituras. Também a iniciativa privada tem feito esforços fundamentais no estado de São Paulo, com a doação de R$ 1 bilhão através do Fundo Social para a aquisição de cestas básicas, materiais de higiene e para a produção e distribuição de vacinas.
É gravíssima e lamentável a postura do governo federal como um todo e do Ministério da Saúde em especial, com a demora no repasse de recursos destinados à saúde nos estados, os atrasos na entrega de medicamentos e de insumos e, sobretudo, a ausência de investimentos em pesquisas e tecnologia para a produção de vacinas em outras regiões do país, a exemplo dos constantes atrasos no início do fornecimento de vacinas pela Fundação Fiocruz, solucionados em 17 de março. Além do Instituto Butantan e da Fundação Fiocruz, as muitas universidades e centros de pesquisa do país também poderiam estar produzindo vacinas desde meados do ano passado, sob coordenação da Anvisa e dos demais órgãos reguladores.
Por outro lado, a Anvisa segue com procedimentos anti-científicos ao retardar a aprovação de vacinas produzidas em outros países e já regulamentadas por agências de vigilância e pela OMS. Os(a) governadores(a) do Nordeste tiveram que negociar por três meses a aprovação das vacinas de duas grandes farmacêuticas, já aprovadas por agências internacionais e pela OMS e, mais recentemente, também com estados do Norte e do Centro-Oeste do país, seguem negociando a liberação de outra vacina, também aprovada pela OMS, sem que haja avanços reais nesta negociação! É absolutamente inaceitável.
Como sociedade civil organizada, seguiremos participando das campanhas de pressão em âmbito nacional, com destaque para a Campanha Vacinação Já!, iniciada pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), com a adesão de mais de quatrocentas organizações e movimentos, e para as ações da Frente de Saúde pela Vacinação Pública. É urgente que o Governo do Estado siga ampliando a vacinação em São Paulo.
Articulação contra a abertura das escolas
Por fim, a “dança das cores das fases” nas decisões governamentais a partir do Plano São Paulo explicitam que essas decisões são muitas vezes tomadas a partir das pressões de determinados grupos políticos e setores da economia.
Não é o momento para a reabertura de creches e escolas, não só em São Paulo, mas em outras capitais e municípios do país. Os dados e as sucessivas pesquisas da Fiocruz e dos Observatórios Covid 19 e Covid 19BR precisam ser levados a sério, é evidente. Mas não se trata apenas disso: afirmamos com todas as letras que é absolutamente imoral propor que bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos e trabalhadoras(es) de educação sejam expostos a tamanho risco, enquanto o caos reina absoluto na política brasileira e não há o menor sinal de melhora efetiva no enfrentamento da pandemia no país.
Após outras articulações e pressões, em vigor desde setembro do ano passado, em 11 de março, 29 de março e novamente em 6 de abril, entregamos ao governo do estado e à prefeitura de São Paulo uma carta assinada por 160 coletivos, fóruns, frentes, grupos culturais, pastorais sociais, grupos de pesquisa, faculdades, ONGs e movimentos sociais, além da fundamental participação e divulgação pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que contou com a adesão de 2250 educadoras(es), mães/pais e familiares de alunos, parentes de educadoras(es) e cidadãs(os) de diversos municípios do estado solicitando a não reabertura das creches e escolas no estado de São Paulo durante o agravamento da pandemia.
Somando-nos às greves nas redes municipal, estadual e privada e às ações judiciais promovidas pelos sindicatos de educação, assim como às recomendações dos secretários de saúde, conseguimos a importante medida da Prefeitura de São Paulo de proibir a reabertura de escolas na cidade entre 12 de março e 5 de abril, assim como coibimos mais pressões do Governo do Estado sobre os municípios pela reabertura naquele período.
Mas o Governo e a Prefeitura de São Paulo possibilitaram a reabertura parcial no mês de abril. Seguiremos pressionando e lutando pela vida.
Esperamos que o poder público ouça nossos apelos. Eles também são essenciais.
Este artigo foi elaborado por militantes de movimentos sociais de São Paulo:
• Samantha Freitas (professora de Educação de Jovens e Adultos e coordenadora da Pastoral Fé e Política da Diocese de Campo Limpo),
• Adriana da Silva (Ile Àxe Olú Àiyé Àti Ìyá Omi e Coletivo de Representantes dos Povos Tradicionais de Terreiro das Sete Cidades do Grande ABC Paulista),
• Ana Cristina Luna (Associação de Moradores do Jardim Casa Branca e Adjacências),
• Ariovaldo Ramos (Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito), Cida Mattos (Central Pró-Moradia Suzanense/CEMOS),
• Edna Matos (Associação Povo em Ação),
• Eline Ethel (Sindicato dos Médicos de São Paulo e Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares),
• Enilda Suzart (Trincheira das Pretas Dona Naná – Suzano e ativista voluntária da Educafro),
• Katia Delafina (Pastoral Fé e Política da Diocese de Guarulhos),
• Maria Angélica Oliveira (Associação Projetos Integrados de Desenvolvimento Sustentável,
• Escola de Cidadania do Butantã /Zona Oeste e Fórum de Sustentabilidade do Butantã),
• Maria José Mendes (Fórum de Saúde do Campo Limpo),
• Márcia Castro (Escola Fé e Política Waldemar Rossi e Fórum das Pastorais Sociais da Região Episcopal Belém da Arquidiocese de São Paulo),
• Rafaela Guabiraba (Frente Democrática de Ermelino Matarazzo),
• Robinson Zanutto (Movimento de Fé e Política do Grande ABC Paulista),
• Rodrigo Mindlin Loeb (Coordenador da Executiva da Brigada pela Vida),
• Rosângela Marques (Fórum Livre de Combate ao Racismo de São Bernardo do Campo),
• Rubens Moura Araújo (Pastoral Fé e Compromisso Social de Suzano),
• Sirlene Araújo (Cooperativa Habitacional do Brasil – COOHABRAS),
• Tânia Portella (Coletivo de Negras e Negros de Taboão da Serra),
• Valter Carlos Moraes (Escola de Cidadania José de Souza Cândido da Diocese de Mogi das Cruzes),
• Valter de Almeida Costa (Colégio Deliberativo da Brigada pela Vida).
Referências
[1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid 19, realizada pelo IBGE em junho de 2020. Citada por diversas fontes de imprensa e disponível em: www.covid19.ibge.gov.br.